O Bosque das Almas é um lugar onde a própria escuridão parece respirar, um domínio intocado pela luz do dia e consumido por um silêncio sepulcral, quebrado apenas pelos sussurros dos que nunca encontraram descanso. A floresta se estende por léguas incontáveis, um labirinto de troncos retorcidos e raízes que emergem do solo como dedos esqueléticos tentando capturar aqueles que ousam cruzar seus limites. As árvores são ancestrais e deformadas, seus galhos torcidos se entrelaçando no alto, bloqueando completamente o céu. Nem mesmo a luz da lua consegue penetrar suas copas, criando um ambiente de trevas eternas, onde a única iluminação vem do brilho espectral da névoa azulada que rasteja pelo chão como um manto de almas penadas. Diz-se que essa névoa não é natural, mas sim a manifestação dos espíritos aprisionados entre os reinos dos vivos e dos mortos, incapazes de encontrar o caminho para o além. Eles vagueiam entre as sombras, deslizando entre as árvores com formas etéreas, às vezes tomando a aparência de vultos indistintos, outras vezes assumindo rostos familiares para atrair os incautos. Muitos guerreiros de Ghulmar acreditam que os espíritos dos caídos podem ser contatados aqui, que a floresta abriga os ecos daqueles que um dia brandiram espadas e caçaram as maiores feras. No entanto, apenas os mais experientes se atrevem a caminhar por suas trilhas, pois sabem que o Bosque das Almas não tolera os fracos e que qualquer erro pode significar uma condenação eterna.
A vegetação no interior do bosque é de uma tonalidade quase negra, como se a própria terra estivesse contaminada por uma energia maldita. Os arbustos e vinhas são cobertos por espinhos afiados como lâminas, e algumas plantas murmuram baixinho quando tocadas, emitindo um som que se assemelha a um lamento distante. Dizem que aqueles que entram no bosque começam a ouvir vozes sussurrando diretamente em suas mentes, chamando-os pelo nome, tentando seduzi-los a se aprofundar ainda mais na floresta. Não se sabe se esses sussurros vêm dos espíritos dos mortos ou se é o próprio bosque que, de alguma forma, está vivo e consciente, testando a coragem e a sanidade daqueles que ousam desafiá-lo. Os caçadores mais experientes contam histórias sobre guerreiros que entraram no bosque e nunca mais foram vistos, mas que às vezes podem ser avistados entre as sombras, vagando sem rumo, com olhares vazios e corpos cobertos por uma névoa sinistra. Esses perdidos não morrem, mas também não vivem; tornam-se parte da floresta, eternamente condenados a vaguear sem memória de quem foram um dia.
O vento que percorre o Bosque das Almas nunca sopra de forma natural. Ele surge de repente, trazendo consigo um frio sobrenatural e um sussurro persistente, um coro de vozes sem origem, falando línguas antigas que ninguém consegue compreender. Alguns acreditam que são os espíritos dos antigos caçadores, tentando guiar os vivos por caminhos seguros. Outros dizem que são maldições de guerreiros traídos, almas presas no limbo que desejam arrastar outros para seu destino sombrio. Os ventos sopram mais forte quando alguém tenta acender uma tocha ou qualquer outra fonte de luz, apagando instantaneamente qualquer chama que ouse desafiar a escuridão natural do bosque. Mesmo aqueles que carregam lanternas mágicas percebem que sua luz se enfraquece conforme avançam, até que, por fim, tudo ao redor se reduz a sombras e silhuetas fantasmagóricas.
Os guerreiros de Ghulmar frequentemente fazem peregrinações ao bosque em busca de visões e respostas, acreditando que os mortos podem conceder-lhes poder ou revelar segredos ocultos sobre o futuro. Para muitos, entrar no Bosque das Almas é uma prova de coragem, uma forma de demonstrar que são dignos de carregar o legado de seus ancestrais. No entanto, existe um perigo real para aqueles que entram sem preparação. Sem a bênção dos caçadores antigos, qualquer um que pise na floresta pode nunca mais sair. Antes de partir para sua jornada, os guerreiros passam por rituais de purificação, cobrindo-se com cinzas e sangue de suas caçadas, entoando cânticos ancestrais para pedir permissão aos espíritos. Mesmo assim, nem todos retornam. Alguns desaparecem sem deixar rastros, e seus companheiros dizem que foram reclamados pelo bosque, absorvidos para sempre por sua escuridão. Aqueles que voltam costumam carregar olhares vazios, com cabelos esbranquiçados pela experiência e vozes mais roucas, como se algo tivesse sido arrancado deles durante sua estadia entre os mortos.
A própria floresta parece ter uma vontade própria, rearranjando seus caminhos e fechando trilhas que antes estavam abertas. É impossível mapear sua extensão, pois ninguém que tentou percorrê-la completamente conseguiu voltar para contar a história. Em alguns pontos, encontram-se clareiras cobertas por ossos antigos, dispostos de maneira ritualística, formando símbolos que ninguém consegue decifrar. Alguns dizem que são restos de sacrifícios feitos para apaziguar os espíritos do bosque, outros acreditam que são marcas deixadas pelos próprios mortos, tentando se comunicar com os vivos. Em certos locais, podem ser encontrados espelhos d’água de superfície cristalina, onde aqueles que ousam olhar para dentro veem não seus próprios reflexos, mas sim imagens de um futuro desconhecido, muitas vezes carregadas de sangue e tragédia. Esses lagos espectrais são evitados pela maioria, pois há histórias de guerreiros que olharam por tempo demais e foram tragados para dentro, desaparecendo para sempre.
Nas profundezas do Bosque das Almas, onde a névoa é mais espessa e as sombras ganham formas que desafiam a lógica, existe um local temido até pelos mais bravos caçadores: a cova do Devorador de Almas. Segundo as lendas, este ser é um espírito antigo, mais antigo que o próprio reino de Ghulmar, uma entidade faminta por essências vitais. Aqueles que chegam perto de seu domínio sentem o ar se tornar denso e pesado, seus corpos começam a perder a força e sua visão se torna turva. Diz-se que o Devorador de Almas não se manifesta como uma criatura de carne e osso, mas sim como uma sombra viva, que se infiltra na mente dos incautos e os consome por dentro, deixando apenas cascas vazias vagando sem rumo. Ninguém sabe ao certo como derrotá-lo, e os poucos que sobreviveram a um encontro com ele nunca mais foram os mesmos. Seus olhos se tornaram opacos, suas vozes se tornaram fracas, e suas almas pareciam já pertencer ao próprio bosque.
O Bosque das Almas não é apenas um lugar de provação, mas também um cemitério sem lápides, um reino onde o tempo não segue as mesmas regras do mundo exterior. Alguns acreditam que ele é uma ponte entre o mundo dos vivos e dos mortos, um local onde o véu entre as realidades é fino demais, permitindo que as almas presas vagueiem eternamente. Outros dizem que é uma entidade em si, um ser adormecido que se alimenta de desespero e medo, crescendo com cada vida que é ceifada entre suas árvores. Mas há uma coisa que todos sabem: aqueles que entram no bosque sem estar preparados para encarar seus próprios demônios nunca mais voltam a ver a luz do dia.